Uma sensação de vazio que se instala logo depois da satisfação instantânea de passar horas vendo vídeos e publicações nas redes sociais. Pode parecer um paradoxo, mas o tempo excessivo gasto na internet piora o sentimento de solidão.
Isso é o que mostrou um estudo realizado por pesquisadores da Baylor University. A pesquisa acompanhou um mesmo grupo durante nove anos para entender como o uso das redes sociais afeta a solidão ao longo do tempo.
➡️Os resultados apontaram que tanto o uso passivo (sem interações com publicações ou com outros usuários) como o uso ativo das mídias sociais foi associado a um maior sentimento de solidão com o passar do tempo.
Rodrigo Machado, psiquiatra e Coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP, explica que esse sentimento de cansaço e solidão está associado à hiperconectividade promovida pelas redes sociais.
"A gente desenvolveu uma sociedade que cada vez mais fomenta o uso indiscriminado de produtividade, a conexão em tempo integral. Mas isso faz a gente estar o tempo inteiro disponível", analisa.
Outro ponto levantado pelo psiquiatra é que as mídias sociais muitas vezes utilizam mecanismos similares aos jogos de azar para manter o usuário sempre mais entretido e conectado. Isso, a longo prazo, pode viciar e aumentar o sentimento de solidão.
"Essa hiperexposição faz nosso cérebro ficar muito acostumado com esses estímulos e vai tirando o brilho do mundo real", comenta Machado.
Hábitos que parecem inofensivos, como a rolagem infinita do feed ou a conferência constante do aparelho a cada notificação, são movidos pela dopamina liberada pelo cérebro, um neurotransmissor que dá a sensação de prazer e satisfação.
Interações virtuais x interações reais
O estudo também evidencia como as interações virtuais são incapazes de suprir as interações reais.
Marcos Torati, psicólogo, professor e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, explica que um dos motivos disso acontecer é porque, nas redes, usuário sempre determina o recorte do que deseja mostrar e como quer ser visto.
"A forma de ocultar o verdadeiro 'self' no mundo real é mais complexa do que no meio digital. Nela, é mais fácil controlar a criação da imagem ideal", compara.
Com isso, é como se nas redes as relações fossem estabelecidas sempre com um personagem criado e não realmente com a integralidade da pessoa do outro lado da tela.
Além disso, ambos especialistas comentam que há uma perda sensorial na interação social, o que muda completamente a perspectiva de intimidade.
"Há também diferenças na qualidade da comunicação. Devido à falta de contexto e de percepção em relação ao tom de voz, como ocorre na interação do mundo real, é comum os usuários estarem mais suscetíveis a cometerem mal-entendidos na forma de interpretar os conteúdos", analisa Torati.
Nesse sentido, Machado comenta que o que se observa é que, quanto mais tempo conectado, piores se tornam as conexões reais da pessoa.
Como fugir da solidão das redes?
Para tentar combater o sentimento de solidão deixado pelo excesso de uso das redes, os especialistas reuniram algumas dicas que podem ser aplicadas no dia a dia.
1. Autorregular o uso das redes
Se por um lado as redes têm mecanismos para manter o usuário sempre conectado, também há aplicativos e funções nos aparelhos que podem ajudar a reduzir o tempo que se passa nessas mídias.
Machado explica que uma boa estratégia é investir nessa autorregulação do uso quando a pessoa percebe que está gastando tempo demais nas redes.
"Colocar limite de tempo, aplicativos que fecham as redes, criar mecanismos que alertem que talvez seja hora de parar e dar um descanso para o cérebro", aconselha.
2. Fazer um detox digital
Em situações mais extremas, em que a relação com as redes já se tornou algo próximo do vício, o recomendado é que se faça um detox digital.
Nesse processo, o indicado é que a pessoa passe o mínimo tempo possível conectada, justamente para entender o papel que as mídias têm ocupado no seu dia a dia.
"O uso das redes dilui o tempo para si e para outras atividades e as pessoas mal se dão conta que estão passando horas sozinhas, vivendo sob a ilusão de estarem juntas e conectadas", afirma Torati.
3. Buscar conteúdos que agreguem
Ainda pensando no uso das redes sociais, uma outra medida importante é buscar seguir perfis e consumir conteúdos que agreguem algum tipo de conhecimento ou informação.
"Se você está percebendo que está seguindo um monte de pessoas que não estão te acrescentado nada, é preciso rever", alerta Machado.
Prestar mais atenção no que está presente nas redes ajuda eliminar distrações que muitas vezes são o que prendem o usuário por horas seguidas, mesmo sem acrescentar nada de novo.
4. Procurar hobbies
"Adotar um animal de estimação, viajar para um lugar inusitado, investir em cuidados pessoais, procurar hobbies e atividades de lazer, tudo isso ajuda a combater a solidão", sugere Torati.
Segundo os especialistas, nada melhor do que buscar atividades fora das telas para permitir que o cérebro descanse.
O movimento de buscar novos interesses que não envolvam estar conectado permitem que a pessoa passe a se conhecer melhor, descubra novos sonhos e crie relações reais, preenchendo esse tempo que antes era gasto só no mundo virtual.
5. Estimular as relações reais
Por fim, eles ressaltam a importância de, mesmo com as redes estando presente, estimular relações reais.
Não deixar que as conversas virtuais substituam os encontros presenciais e investir em grupos de leitura ou estudo em que haja a necessidade da relação cara a cara são muito importantes para a saúde mental.
"Só assim é possível estimular os laços que a gente só consegue construir com interações reais", recomenda Machado.
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