Em abril de 2021, no auge da segunda e mais violenta onda de Covid-19 no Brasil, as redes municipais de ensino registraram uma média de 90,1% dos estudantes matriculados no 9º ano do ensino fundamental que estavam participando das atividades escolares. Entre os alunos do 5º ano do fundamental, a média de participação foi de 92,5%, segundo a pesquisa “Permanência Escolar na Pandemia”, divulgada nesta quinta-feira (25).
Durante quatro meses, 88 auditores de 29 tribunais de contas pelo Brasil aplicaram questionários com mais de mil redes municipais de ensino, em uma parceria com o centro de pesquisas Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) e o Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB).
Segundo Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul e presidente do CTE-IRB, o objetivo da pesquisa foi entender “que tipo de controles são exercidos pelas redes de educação quanto à frequência e ao abandono dos alunos, que tipo de ações são adotadas pelas redes para prevenir que o abandono ocorra e, se consumado, como elas fazem para reinserir as crianças de volta ao ambiente escolar, e para mantê-los nele”.
A escolha das redes foi definida por sorteio para compor uma amostra considerada estatisticamente representativa do país. Os resultados para o Brasil e por região foram calculados pela média de cada rede. No total, a pesquisa incluiu dados de 723 redes municipais para a análise do 5º ano do fundamental, e 477 redes com aulas do 9º ano do fundamental.
Desigualdade regional
O levantamento mostra que o impacto da pandemia no risco de abandono escolar foi diferente entre as regiões. A Região Nordeste ficou com o índice mais baixo do país, com participação média de 88% dos alunos do 5º ano e de 84,4% dos alunos do 9º ano.
No 9º ano, o Sudeste ficou com a segunda pior média: 91,2%, seguido da Região Norte, com 91,3%.
As regiões Sul e Centro-Oeste foram as únicas que conseguiram manter uma taxa acima de 95%, mas apenas no 5º ano do fundamental. Para o 9º ano, as médias foram de 93,8% e 93,5%, respectivamente (veja abaixo).
A pesquisa também avaliou quantas redes em cada região tiveram índices abaixo de 90% de participação. Para as redes com aulas do 5º ano do fundamental, essa porcentagem variou entre 13% das redes, caso da Região Sul, até 39%, caso do Nordeste.
Já para o 9º ano, a quantidade de redes abaixo da participação de 90% foi ainda maior, variando entre 18% (Região Sul) e 52% (Região Nordeste).
Os dados evidenciam o tamanho dos esforços para evitar a perda permanente do vínculo com esses estudantes, explica Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede. Segundo ele, o fato de a participação estar perto dos 90% não é positivo.
“É muita, muita gente! São mais de 140 mil crianças com cerca de 10 anos em risco de evasão, por exemplo”, afirmou ele.
“Mais de um ano após a pandemia começar não podemos ter taxas de participação na casa dos 90%. Houve muitos esforços, e muitas ações de gestores de rede e educadores, mas precisamos avançar no monitoramento e nas ações para garantia da permanência escolar.”
Risco de descumprimento do Plano Nacional de Educação
O estudo, segundo Cezar Miola, é mais uma contribuição das entidades de controle externo e de pesquisa educacional para tentar quantificar o impacto da pandemia na evasão escolar, e reforça que o retrocesso dos indicadores é um sinal de que o Brasil agora enfrenta um risco ainda maior de descumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE).
A meta 2 do plano estipula que, até 2024, o Brasil deve ter 100% das crianças de 6 a 14 anos matriculadas no ensino fundamental e garantir que 95% da população conclua o fundamental até os 16 anos.
Já a meta 3 determina que, no mesmo prazo, 100% dos adolescentes de 15 a 17 anos estejam frequentando a escola, com 85% deles no ensino médio.
Cezar Miola ressalta ainda que o PNE também obriga a garantia de acesso à internet nas escolas, tanto com equipamento quanto sinal de internet. “Nesse período, verificamos que as famílias mais carentes enfrentaram os maiores problemas. Muitas redes não estavam com o mínimo de condições, tudo isso foi tratado de maneira bastante precária”, afirmou ele.
Estratégias bem sucedidas
O estudo divulgado nesta quinta também aponta alguns caminhos encontrados pelas redes para lidar com o desafio da suspensão das aulas e, depois das aulas remotas. Após a aplicação do questionário pelos tribunais de conta, pesquisadores do Iede selecionaram 11 redes de ensino municipais de várias partes do Brasil, para uma análise qualitativa das estratégias utilizadas.
Um dos desafios, segundo a pesquisa, é o fato de que boa parte das redes não tinha um sistema para acompanhar em tempo real quem eram os alunos que estavam ausentes, onde seria preciso acionar algum mecanismo de busca ativa para prevenir o abandono.
Entre as experiências positivas citadas pelas redes estavam a criação de planilhas on-line para que as escolas anotassem a frequência diária dos alunos além do diário de classe ou da lista de presença em papel.
O uso de aplicativos de mensagem instantânea também foi uma forma de manter contato com as famílias,
Para os alunos sem computador ou acesso à internet em casa, estratégias citadas pela pesquisa estão a abertura dos laboratórios de informática apenas para os estudantes nessa situação, e a entrega do material impresso aos pais, que assinavam a frequência quando iam até a escola buscar os documentos.
Caso as famílias não pudessem ir até a escola, a disponibilização de veículos oficiais da prefeitura para fazer a entrega do material escolar em casa também foi uma medida tomada em algumas cidades do país.
O conselheiro ressalta que o acompanhamento caso a caso serve para que os tribunais de contas consigam avaliar quais gestores de fato tentaram cumprir com as obrigações, mas tiveram limitações, e quais não tomaram as ações necessárias, esperadas ou mesmo possíveis. Ele cita, como exemplo disso, redes que não investiram em educação nem o mínimo obrigado pela Constituição Federal. Nesses casos, os tribunais podem inclusive reprovar as contas do governo municipal como punição pela má gestão.
“Me parece que é preciso reconhecer o impacto da mudança brusca da guinada, mas que nem todos se dedicaram a enfrentar os problemas do ponto de vista de medidas de acolhimento, acesso à internet”, afirma Miola.
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